Risco de nova crise nos EUA ameaça Brasil
Fantasma da crise ameaça país
Patrícia Duarte e Lino Rodrigues
A luz amarela já acendeu para a equipe econômica sobre 2010, ano que pode não ser um mar de rosas, como o governo vem defendendo. A economia brasileira, aquecida, já atinge níveis pré-crise em vários setores - conforme mostrou reportagem do GLOBO publicada na edição de ontem - e tem tudo pra crescer 5% ou mais no ano vem, porém existe um fantasma que pode se concretizar e jogar água na fervura: uma nova depressão nos Estados Unidos. É aquilo que os economistas chamam de "recuperação em W". Ou seja, a economia, depois de uma crise, começa a crescer novamente mas sofre um novo recuo para, só depois, expandir-se com mais força.
Os sinais de que isso pode ocorrer com os americanos já começaram a ser dados pelo próprio presidente Barack Obama, que citou recentemente o risco de ocorrer o "W". Ele é alimentado, por exemplo, pelas dúvidas sobre a solidez do sistema financeiro e sobre como a economia dos EUA reagirá quando os incentivos oficiais à recuperação - à compra de veículos e imóveis, por exemplo - forem retirados.
Além dos EUA, a Europa também começa a dar sinais de que pode passar um novo movimento de depressão em 2010. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, participou na semana passada de seminários na Noruega e na Itália e diz que um dos temas recorrentes era a "recuperação em W". O tropeço pode vir, argumenta ele, porque os investimentos produtivos ainda não estão totalmente fortalecidos, e os governos, por causa da turbulência no fim de 2008, já não têm fôlego para injetar muitos recursos.
- Países como China, Índia e Brasil vão sentir esse movimento, mas menos, porque os mercados internos estão muito mais fortes - acredita.
Mercado interno como amortecedor
O vice-presidente de desenvolvimento econômico e de gestão do Banco Mundial, Otaviano Canuto, também alertou para um novo mergulho na recessão se as economias avançadas não superarem alguns obstáculos deixados pela crise global, como a herança fiscal, o endividamento financeiro das famílias americanas e o encolhimento do crédito.
- Se a economia desaba, inclusive na China, os preços de commodities também desabam, e isso afeta o Brasil. Não há como imaginar que alguém escape - disse.
Como destacou um importante integrante da equipe econômica, estas ameaças não podem ser ignoradas. É preciso ficar de olhos abertos, já que o Brasil estará crescendo com força e, eventualmente, terá de encarar um mercado mundial muito menos comprador e líquido de recursos para crédito. O setor produtivo também já está atento, mas otimista.
A fonte enumera, entretanto, as armas que o país já tem pra enfrentar um novo soluço: reservas elevadas - cerca de US$230 bilhões, que poderão chegar a US$270 bilhões se o Banco Central (BC) continuar comprando dólares no ritmo atual; avaliações de risco baixas, sobretudo pelos graus de investimento já concedidos; e contas fiscais sob controle.
Além disso, acrescentou, há todo o arsenal preparado com o primeiro round da crise, no ano passado. Ou seja, toda a legislação e resoluções que inundaram o país com crédito do fim de 2008 até o início de 2009, como reduções de compulsórios e leilões de dólares com compromisso de recompra. A fonte ressaltou ainda que, mesmo com as reduções do compulsórios bancários, ainda há um estoque elevado - acima de R$100 bilhões em espécie - e que, em 2010, pode chegar a R$180 bilhões.
- Não foi nada fácil montar todas aquelas medidas. Passávamos a madrugada avaliando a legislação. Agora, tudo já está pronto - contou a fonte.
Durante a semana passada, o presidente do BC, Henrique Meirelles, tocou no assunto. Mas ele defendeu que, se houver nova retração nos Estados Unidos, o Brasil sentirá menos os reflexos.
O setor produtivo também não aposta que haverá uma nova turbulência originada pelos americanos, mas, se isso ocorrer, o mercado interno brasileiro servirá de amortecedor. Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio, até mesmo os investidores estrangeiros enxergam o enorme mercado do Brasil.
Exportador teme protecionismo
Além disso, ressaltou ele, o mercado chinês também pode ser uma das saídas, já que o crescimento naquela região continuará forte, podendo absorver produtos brasileiros. Eugênio diz ainda que, atualmente, o mercado de crédito está bastante forte e dificilmente o setor produtivo vai sofrer com a falta de liquidez.
- Se houver esse recuo (nos EUA), o "W" será bem manco. Com uma perninha de depressão - aposta.
Os exportadores estão menos otimistas, embora confiantes. Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o governo americano, para estimular sua atividade econômica, pode adotar ações que atingirão em cheio o comércio mundial. Entre elas, medidas protecionistas ou subsídios para estimular as exportações dos produtos locais.
Cerca de 70% das nossas exportações são commodities e, caso o preço caia, teremos problemas na balança comercial. Para o Brasil crescer 5% em 2010, como prevê o governo, as exportações terão que avançar pelo menos 15%. Não temos controle sobre o preço nem sobre o volume que exportamos - disse.
O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), um dos conselheiros econômicos do presidente Lula, também enxerga que a solução do Brasil é focar no seu mercado interno.
- O ritmo de crescimento da economia americana é importante para o resto do mundo, porque o rabo não abana o cachorro. É difícil que o mundo consiga se recuperar sem os Estados Unidos. Havia um consumismo sustentado por padrões que já não existem. O ajuste americano vai ser doloroso e delicado.