Notícias Empresariais

Trabalho por conta própria perde espaço para emprego formal

Migração para vagas com carteira assinada é mais intensa em regiões metropolitanas do Nordeste

 

A pernambucana Izabel Cristina da Silva, de 38 anos, esperou por muito tempo a chegada de uma segunda-feira especial. Diarista durante quase duas décadas, ela sempre sonhou com o primeiro dia de trabalho com carteira assinada. Esse dia chegou em 9 de agosto de 2010. Após ser aprovada em uma bateria de testes, Bel, como é mais conhecida, começou a trabalhar como cobradora nos ônibus da Rodoviária Metropolitana, empresa que atende alguns bairros do Grande Recife.

A mudança na vida de Izabel ilustra bem um intenso fluxo de trabalhadores autônomos para o mercado assalariado no Brasil. De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, 18,2% da população ocupada no país trabalhava por conta própria em janeiro deste ano, contra 18,9% no mesmo mês de 2010. Foi o menor percentual para esse tipo de ocupação registrado em um mês de janeiro desde o início da pesquisa, em 2003.

O movimento é puxado pelo crescimento da oferta de empregos com carteira assinada. No mesmo intervalo de comparação o contingente de trabalhadores formalizados passou de 50,3% para 52,1% do total da população ocupada nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Recife e Salvador).

Porém, é no Nordeste que a migração para a carteira assinada tem sido mais intensa. Na região metropolitana do Recife, o peso dos que trabalham por conta própria caiu de 23,2% para 19,9% do total entre janeiro de 2010 e de 2011. Já a representatividade do emprego formal saltou de 44,5% para 47%, na mesma comparação. Em Salvador, o percentual de autônomos caiu de 22,4% para 20,8% no mesmo intervalo de comparação, enquanto os empregos com carteira assinada passaram de 46,3% para 49,1% do total da população ocupada.

Na avaliação de economistas locais, a trajetória do emprego formal simplesmente acompanha o PIB do Nordeste, que cresce acima da média nacional desde 2003. Os pesados investimentos públicos e privados feitos na região nos últimos anos, com maior ênfase em Pernambuco, geraram uma demanda importante por mão de obra.

Em muitos casos, as condições oferecidas foram suficientes para absorver profissionais que antes trabalhavam por conta própria. Izabel, por exemplo, abriu mão de um salário maior como diarista pela estabilidade da carteira assinada. "Eu queria muito o plano de saúde, que é muito caro para pagar do próprio bolso", conta ela. "Também quero pagar INSS, para ter alguma coisa quando me aposentar."

Outro bom exemplo é o Estaleiro Atlântico Sul, instalado no município de Ipojuca, a 60 quilômetros do Recife. Diante da escassez de mão de obra especializada, o empreendimento teve que treinar um batalhão de profissionais que antes trabalhavam por conta própria, como pescadores e diaristas.

Uma delas é Edivânia da Silva, de 31 anos, que em março 2009 deixou o ofício do forno e fogão para trabalhar na solda de módulos navais. Feliz com o novo salário e os benefícios, ela almeja agora degraus mais altos na indústria naval. "Futuramente quero trabalhar na inspeção", planeja a soldadora.

De acordo com Jorge Jatobá, economista da Ceplan Consultoria, o crescimento do emprego com carteira assinada reflete a pujança econômica pela qual passa Pernambuco. "A onda de investimentos que chega é gerada por empresas que têm a cultura de contratar com carteira", analisa ele. Sócio da Datamétrica, Alexandre Rands concorda. "O desenvolvimento leva gente do subemprego para a formalidade."

O ritmo mais acelerado de formalização ocorre justamente nas capitais onde se percebe os mais elevados índices de desemprego: Salvador e Recife. De acordo com o IBGE, a taxa de desocupação na região metropolitana do Recife estava em 7,1% em janeiro último, contra uma média nacional de 6,1%. Na capital baiana, o indicador mostrou 10,7%.

Segundo Rands, apesar do crescimento econômico, o mercado de trabalho nessas regiões apresenta problemas que vão além da baixa oferta de mão de obra qualificada. "Há também pouca integração e as informações demoram mais a circular. Com isso, a pessoa que sai de um determinado trabalho leva muito mais tempo até conseguir outro, o que se reflete na taxa de desemprego", explica.

Ainda assim, Recife e Salvador começam a preencher os espaços vazios. As duas capitais apresentaram a maior evolução do trabalho formal nos 12 meses encerrados em janeiro deste ano. Na capital pernambucana, a participação dos trabalhadores formalizados avançou 2,5 pontos, para 47%. Em Salvador, o salto foi de 2,8 pontos, para 49,1%.

O universo de pessoas que ingressam no mercado formal, porém, não é feito apenas de satisfação. O economista Saulo Ramón Santos, de 41 anos, está descontente com seu trabalho, apesar do largo sorriso que exibe na foto do crachá.

Empreendedor declarado, ele ocupa há um ano a cadeira de gerente-comercial da Espe, empresa pernambucana especializada em softwares para gestão empresarial. Antes de assumir o posto, contudo, Saulo era o dono de uma consultoria voltada à gestão de relacionamento com o cliente. A empresa funcionou por três anos até fechar as portas. Diante da bancarrota, o economista, que tem esposa e três filhos, teve que voltar a ser empregado.

Desgostoso com a "resistência à veiculação de ideias" que enfrenta como empregado, ele planeja voltar logo ao posto de empresário. "Conhece aquele desenho 'O Pink e o Cérebro'? Eu sou o Cérebro. Ele fica pensando em como dominar o mundo e eu em como criar meu próprio negócio. Todo meu tempo livre é pra isso", desabafa.

 

Construção atrai nordestinos no Paraná


Marli Lima | De Curitiba
 

Quando José Elton Pereira recebeu convite para trabalhar na construção civil em Curitiba, a reação foi imediata. "Onde que é isso?", perguntou ele, que nasceu em São João, no Piauí, e já havia procurado emprego em Brasília e em São Paulo. Ele desembarcou na capital paranaense em setembro e, em janeiro, trouxe dois amigos, com os quais divide uma casa. Mas o rapaz solteiro, de 28 anos de idade, não está à vontade na cidade. "A moda daqui é diferente. A balada é outra", diz.

Osnildo de Oliveira Roseno, 27 anos, deixou a mulher em Icó, no Ceará, e veio atrás da oportunidade de atuar como carpinteiro no Sul, depois de ter tentado o mesmo em São Paulo. "Aqui é melhor. Tem menos correria", diz, sem esconder o desejo de ficar pouco tempo, porque vai ser pai em agosto. Ele hoje mora em um alojamento com outros 15 colegas, entre eles José Vicente Leandro, 42 anos, também de Icó, que planeja trazer a família que deixou na capital paulista e também os amigos. "Quem tem conhecido na região, vai chamar para vir para cá", opina ele, que veio para trabalhar na construtora Gafisa há sete meses e agora está na construtora Plaenge.

São Paulo sempre foi o Estado que mais atraiu cidadãos do Nordeste em busca de oportunidades de emprego e renda. Eles também chegaram ao Paraná no passado, principalmente para trabalhar na agricultura. O que se vê agora é o movimento de empresas e empreiteiros que vão até outros Estados atrás da mão de obra que falta no Sul. Alguns desses trabalhadores já deixaram o Nordeste anos antes e estão aceitando fazer uma nova mudança. Outros são buscados na origem.

Um dos responsáveis por contratar nordestinos para trabalhar no Paraná é Evandro Freitas, encarregado de obras de uma empresa em Campinas, a A.S. Serviços de Construção Civil, e que foi chamado pela construtora paranaense Plaenge para ajudar a erguer prédios em Curitiba. "A gente já conhece o pessoal do Nordeste que tem experiência e vai buscar", explica ele, que também deixou Icó em 1986. Freitas vive há seis meses na cidade e já trouxe 16 pessoas de fora, número que planeja aumentar para 46 em dois meses.

"Falta gente", diz Fernando Fabian, diretor e um dos sócios da Plaenge, que tem sede em Londrina (PR), faturou R$ 1 bilhão no ano passado, e vai precisar de mais gente para atingir o objetivo de crescer 50% em 2011. O empresário conta que o problema de falta de mão de obra é maior em duas cidades em que a empresa atua, Curitiba e Cuiabá (MT). Mas ainda não há o movimento de nordestinos para o Centro-Oeste.

Não é só na construção civil que as empresas encontram dificuldade para contratar pessoal no Paraná. A prefeitura de Curitiba tem organizado feiras em uma praça central da cidade para que as empresas divulguem suas vagas e disputem os que vão até o local interessados em emprego com carteira assinada. Representantes das áreas de recursos humanos de supermercadistas estão sempre presentes. No interior do Estado, cooperativas têm recorrido à contratação de índios e presidiários em regime semiaberto para manter o quadro que precisam em seus frigoríficos de aves.

A Plaenge possui 1,6 mil empregados e, segundo Fabian, o número de terceirizados chega a quatro vezes isso. "A importação de pessoal de várias cidades teve início há dois anos e há seis meses começaram a chegar trabalhadores do Nordeste", diz. A construtora montou uma escola de construção e está começando a treinar a segunda turma de pedreiros. Também decidiu incentivar mulheres com a formação de azulejistas. Quer formar 400 trabalhadores até o fim do ano e distribui panfletos nas obras para encontrar os futuros alunos.

Enquanto isso, em dois dos 16 canteiros de obras mantidos pela Plaenge em Curitiba, os nordestinos atendem por dois nomes, Paraíba ou Ceará. É comum ouvir no local alguém dizer pra levar alguma coisa que "o Paraíba está precisando". Outro nome bastante citado é "Ricardão", uma provocação para os que deixaram mulher em outro Estado. "No Ceará, chamamos de Zé da Bodega", comenta Antonio Nunes da Silva, 45 anos, que nasceu no Piauí e morou por 25 anos em São Paulo, onde ainda vivem a ex-mulher e dois filhos. "Vim conhecer um lugar diferente", diz, em uma manhã de chuva fina. "Se o frio atacar, vou ter de correr atrás de alguém", responde, ao ser questionado sobre o clima de Curitiba.

A proximidade do inverno preocupa os engenheiros que acompanham a rotina dos novos trabalhadores. "Vão enfrentar o primeiro inverno curitibano", lembra a engenheira Marilucia Oliveira, que demorou três meses para contratar um servente de pedreiro, oferecendo salário de R$ 720 mais refeição. Outro engenheiro, Marcelo Campiolo, explica que há falta de serventes porque, sempre que um vai bem na profissão, acaba sendo treinado para outras funções.

Tanto patrão como empregados dizem que o preço por metro quadrado de serviço executado é parecido no Paraná ou em São Paulo. Longe da família e vivendo em alojamento, os trabalhadores "importados" passam o maior tempo na obra e ficam em casa apenas no domingo.

Esli Carvalho Lopes, 19 anos, solteiro, aceitou o desafio de mudar de Estado para ser servente. Ele é de Abreulândia, no Tocantins, e chegou em dezembro com a intenção de ficar um ano. Mas já chamou um irmão, que "está querendo" vir. "Lá é fraco de serviço." O engenheiro Adriano Sovierzoski diz que hoje conta com 80% de trabalhadores de Curitiba e 20% de fora, em especial do Nordeste, no canteiro onde vai erguer um edifício, no bairro Campo Comprido. Mas ele acredita que a relação vai mudar com o avanço da obra. "Devemos ter uma relação quase inversa, com 60% de gente de fora", diz.

 

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