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O Leão ataca a economia digital

Empresas como Netflix, Spotify, Deezer e Uber começam a se enquadrar na legislação tributária brasileira. Mas leis antigas abrem brechas para uma guerra judicial

Poucas coisas geram tantas reações como os serviços da economia digital. Eles são ao mesmo tempo amados e odiados. Mas uma crítica que sempre alveja empresas como Uber, Netflix, Spotify ou Deezer é a de que elas não pagam impostos. Ao menos, os mesmos que setores semelhantes da economia tradicional são obrigadas a recolher. Com isso, teriam uma vantagem sobre os concorrentes. Pouco a pouco, no entanto, o Leão dos tributos começa a mostrar suas garras para esses aplicativos. No fim do ano passado, o presidente Michel Temer sancionou uma lei que obriga as empresas de streaming de música e de vídeo a pagar ISS de no mínimo 2% sobre o seu faturamento.

No dia 8 de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a transmissão de música pela web é uma execução pública, sobre a qual o Escritório Central de Arrecadação (Ecad) tem a prerrogativa de fazer a cobrança de direito autoral. Não havia dúvida de que, em algum momento, essas empresas seriam enquadradas pela legislação brasileira. Por um lado, o objetivo é dar tratamento isonômico. Por outro, uma parte dessa conta pode ser paga pelos consumidores, por meio de aumento de preços.

Os aplicativos de transporte de passageiros, como Uber e Cabify, foram os primeiros a serem enquadrados. Em várias cidades ao redor do Brasil, eles já pagam um outorga para que seus carros possam rodar. Em São Paulo, por exemplo, o custo é de R$ 0,10 por quilômetro rodado.“ É um valor que dá para administrar, mas é alto”, diz Daniel Velazco-Bedoya, CEO do Cabify. O ataque do Leão sobre as companhias da economia digital pode dar início a uma guerra jurídica. A razão é simples: não existe no País a definição de atividade de empresas de streaming, seja de música, como Deezer, Spotify, Apple Music, ou de vídeo, como Netflix, Globo Play e Amazon Prime Vídeo.

Logo, há margem para contestar a cobrança do ISS. “Do ponto de vista jurídico, o streaming não é um serviço”, afirma Valdirene Lopes Franhani, sócia do Braga & Moreno Consultores & Advogados. O exemplo do serviço de streaming de música Deezer ilustra essa situação. A empresa é obrigada a pagar tributos federais sobre a renda, como IR e COFINS, como qualquer empresa instalada no País. Mas, sediada no município de São Paulo, a companhia não conseguiu se ajustar de imediato na tributação sobre atividade econômica para recolher ISS, que é um tributo municipal.

“Ficamos um tempo sem saber em que categoria a empresa se encaixava, porque a legislação é antiga”, afirma Bruno Vieira, CEO do Deezer. Para evitar problemas, a companhia decidiu se enquadrar como uma empresa de licenciamento de software, recolhendo 2% de ISS sobre o seu faturamento. “A insegurança jurídica é muito grande para essas operações”, diz o advogado José do Patrocínio, professor de Gestão Tributária da Faculdade Fipecafi. Enquanto não começa a guerra jurídica, os municípios estão se mobilizando. Porto Alegre começará a cobrar de empresas de streaming em março deste ano.

São Paulo pretende iniciar a cobrança em janeiro de 2018. De acordo a prefeitura, não se sabe qual será a alíquota, mas a expectativa é de arrecadar anualmente R$ 22 milhões com streaming de vídeo e R$ 300 mil, com áudio. “Se a alíquota for de 2%, não haverá impacto para o cliente, porque já pagamos como licenciamento de software”, afirma Vieira, da Deezer. O CEO da Netflix, Reed Hastings, reivindicou apenas que as regras sejam aplicadas a todos igualmente. “Em geral, pagamos todos os impostos referentes ao país quando é necessário”, disse ele, que esteve no Brasil no início de fevereiro. Spotify, Apple Music, Globo Play preferiram não se pronunciar.

O Ecad também deve partir para cima das empresas de streaming de música. É fato que boa parte delas já paga direito autoral. No ano passado, Spotify, Vevo e Apple Music desembolsaram R$ 2,4 milhões, apenas 1% da arrecadação total da entidade. Mas esses valores tendem a crescer. “Foi o primeiro caso julgado pelo STJ e isso tem uma importância maior”, diz Clarisse Scorel, diretora jurídica do Ecad. Como dizia Benjamim Franklin, um dos escritores da Declaração de Independência e da Constituição dos Estados Unidos. “Nada mais certo nesse mundo do que a morte e os impostos.” De fato: no analógico e no digital.

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